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sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Segundo Sexo, Capítulo 3 - O ponto de vista do materialismo histórico.

Simone de Beauvoir inicia o capítulo três da primeira parte intitulado “O ponto de vista do materialismo histórico” afirmando:

A teoria do materialismo histórico pôs em evidência muitas verdades importantes. A humanidade não é uma espécie animal: é uma realidade histórica. A sociedade humana é uma antiphisis: ela não sofre passivamente a presença da Natureza, ela a retoma em suas mãos. Essa retomada de posse não é uma operação interior e subjetiva; efetua-se objetivamente na práxis. (BEAUVOIR, 2009, p. 87)

            Sendo assim, portanto, a mulher um ser que também não pode ser reduzido a simples condição de “animalidade”, ou pela sua situação biológica. Ela, a mulher, “reflete uma situação que depende da estrutura econômica da sociedade, estrutura que traduz o grau de evolução técnica a que chegou a humanidade.” (Idem. Ibidem).
            Beauvoir, até aqui, dá razão a Friedrich Engels (1820 – 1895), e também quando este afirma que é a partir da descoberta do cobre que os homens compreendem como podem expandir-se em agricultura, e transformar a natureza. Porém, o repreende quando este tenta explicar que a diferenciação entre homem e mulher está unicamente dependente do avanço tecnológico. E diz mais:

O materialismo histórico [entenda-se aqui Engels em seu “A origem da Família”] considera certos e verdadeiros fatos que seria preciso explicar. Afirma, sem discuti-lo, o laço de interesse que prende o homem à propriedade: mas onde esse interesse, mola das instituições sociais, tem, ele próprio, sua origem? [grifo nosso] (Idem. p. 90)

            Ou seja, para a autora Engels procurou explicar tanto o interesse do homem pela propriedade privada quanto a diferenciação da condição do homem para a condição da mulher unicamente pelo viés do materialismo histórico, não podendo este abarcar o homem em sua totalidade, mas apenas em “essa abstração que se denomina homo oeconomicus”. (Idem. Ibidem). E afirma: “É claro, por exemplo, que a própria ideia de posse singular só tem sentido possível a partir da condição original do existente.” (Idem. Ibidem).
            A condição original do existente, entendemos como a “falta constitutiva do ser” e o movimento de transcendência. É porque originalmente o homem deseja algo, anseia por algo, que procura transcender, ou melhor dizendo, superar uma determinada situação-limite. Beauvoir (2009, p. 92) entende o homem como “transcendência e ambição que projeta novas exigências através de toda nova ferramenta”. E é por isso que a partir da descoberta do cobre pode e quis “arrotear e cultivar vastos campos”, porém não foi do cobre que “jorrou essa vontade”, e sim do próprio homem. (Idem. Ibidem).
            Quando a propaganda socialista da antiga URSS afirmava que homens e mulheres eram iguais e livres porque eram considerados unicamente trabalhadores com as mesmas possibilidades, o que foi possível com a chegada das máquinas modernas, Beauvoir entende que não se pode afirmar isso sem má-fé.
            Em resumo, a autora pretende que entendamos que nem o ponto de vista puramente biológico, nem o sociológico ou materialista, ou econômico, nem o ponto de vista psicanalítico podem compreender o homem em sua totalidade e inteireza, procuram negar, ou escamotear outras partes também significantes da vida do homem e “há uma infraestrutura existencial que permite, somente ela, compreender em sua unidade essa forma singular que é uma vida.” (Idem. p. 94). Tanto no freudismo quanto no marxismo existem elementos positivos para essa compreensão total do homem, porém não chegam em sua totalidade. É preciso primeiro entender o valor que o próprio homem dá em seu projeto fundamental. E mais, é preciso entender que o homem é projeto fundamental de existência “transcendendo-se para o ser”, ou seja, é todas as suas instâncias em um só instante.

PS: Este resumo foi feito a partir de:
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. tradução de Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. 2v. pp. 935

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Capítulo 2: O ponto de vista psicanalítico ( Parte 2 de 2)

* Este resumo foi escrito de uma única vez, mas pelo tamanho, achei melhor dividí-lo em duas partes para não ficar cansativo. A edição utilizada para este resumo é a 7ª edição do livro, da editora Nova Fronteira, 1980. Ou seja, a paginação se refere a esta edição e a todo o capítulo.

Capítulo 2: O ponto de vista psicanalítico ( parte 2 de 2)
Páginas 59 - 72
Continuação do resumo anterior, para ler a outra parte Clique AQUI


Sem dúvida nenhuma, Freud acredita que a mulher sente-se mutilada por não ter um pênis e lamenta não ser equiparada ao homem. Essa “falta” pode ser meramente de uma confrontação anatômica; muitas meninas só descobrem essa diferença anatômica bem depois dos 5 anos e a faz de vista. O menino tem em seu pênis uma experiência vivida, orgulha-se dele, mas isso não fornece a base para afirmar que a menina sente-se humilhada por não ter um. A noção do complexo de Electra é vaga, pois não há como afirmar que ao ser beijada pelo pai a menina sinta uma estimulação genital, pois o prazer clitoridiano é isolado, sendo apenas na puberdade que será desenvolvido as zonas erógenas.

O fato de o desejo feminino voltar-se para um ser soberano dá-lhe um caráter original, mas a menina não é constitutiva de seu objeto, ela o sofre. BEAUVOIR, p. 63

O complexo de Electra tem então apenas um caráter afetivo e difuso, mas Freud não fornece os meios para se discutir a afetividade e nem a soberania do pai. De onde veio essa soberania? Ele atenta para a importância desta, mas não saberia explicar de onde ela vem; isso seria um progresso onde as causas são ignoradas. É por essa insuficiência do sistema freudiano que Adler rompe com Freud. Segundo Adler o homem vive três dramas
  1.  Vontade de poder
  2. Inferioridade de obter o poder
  3. Subterfúgios de evitar a realidade que receia não poder vencer
Há então uma distancia entre o sujeito e o meio que teme e o provoca neuroses. Na mulher a inferioridade vem sob a forma da vergonha de recusar a feminilidade, o falo masculino é desejado, não como órgão viril, mas como simbolismo ao que sua posse representa, ele seria símbolo do privilégio concedido ao homem. A reação da mulher seria se masculinizar-se ou lutar por meio das armas femininas, por exemplo, na maternidade ela enxergaria no filho o substituto para o pênis e se aceitaria como mulher, assim como sua inferioridade.

Beauvoir não pretende insistir nas diferenças entre Freud e Adler e nem uma reconciliação dos pensamentos deles, mas expor que ambas as explicações são insuficientes.

É o postulado comum a todos os psicanalistas. A história humana explica-se, segundo eles, por um jogo de elementos determinados. Todos atribuem à mulher o mesmo destino. BEAUVOIR, p. 64.

“Viruloides” ou “femininas”; querendo se identificar com o pai; sentimento de inferioridade; um querer-se ser homem... Com um marido solucionaria o amor que antes fora devotado ao pai; buscando um amante ou um amor sexual quer-se ser dominada e somente na maternidade teria sua autonomia... a mesma determinação da insatisfação feminina por não ser homem e de suas escolhas sendo fugas de sua inferioridade.

Não é complicado para os psicanalistas confirmar suas teorias, há até mesmo um esforço para abrandar as teorias freudianas por meios de relativismos, conciliando vários aspectos como num mosaico, acontece que a vida psíquica não é um agrupamento, ela existe em cada momento. Há uma recusa entre os psicanalistas em aceitar o poder que o indivíduo possui com a escolha e é justamente essa recusa, seu maior ponto fraco, pois os impulsos e proibições vêm da escolha-recusa existencial. Freud tenta substituir a noção de valor com a de autoridade, mas essa substituição não possui ferramentas que a explique.

Na sexualidade se empenha valores e eles não devem ser menosprezados, pois a sexualidade desempenha um grande papel na vida humana. Corpo e sexualidade, segundo Beauvoir, “são expressões concretas da existência, e também a partir desta que se pode descobrir-lhes as significações: sem essa perspectiva, a psicanálise toma, por verdadeiros, fatos inexplicáveis.”pag. 66.

O humano pretende alcançar sua existência pelo mundo de todas as formas possíveis. A virgindade, por exemplo, torna-se preciosa pelo amor do homem à integridade que por ela é simbolizada. O que o humano faz, define seu ser no mundo e é de um ponto de vista ontológico que a unidade da escolha é restituída. Pelo nome de um “inconsciente coletivo” a escolha é violentamente descartada, pois haveria imagens e símbolos universais, acontece que tais símbolos não caíram magicamente do céu, foi elaborado por uma realidade humana.

Angustia ser livre. E para fugir de si mesmo, o sujeito, volta-se para as coisas, sejam elas seu pênis, maná, totem, etc. O duplo para o menino é seu pênis, para a menina sua boneca e mais tardiamente seu filho.

Mas uma vida é uma relação com o mundo; é escolhendo-se através do mundo que o indivíduo se define; é para o mundo que nos devemos voltar a fim de responder às questões que nos preocupam. BEAUVOIR, p. 69.

Como explicaria a psicanálise o fato da mulher se o  Outro? Não explica. O que está sendo recusado aqui é o método psicanalítico, pois a sexualidade não é um dado, a libido feminina só foi estudada a partir da masculina e nunca a partir da subjetividade da mulher e sua passividade não é algo a priori. A mulher encontra-se num mundo de valores e suas condutas são livres, ela escolhe sua transcendência e igualmente como se deixa ser objeto; projeta-se diante de um passado que não é seu, num presente que se faz em rumo a um futuro que ainda não lhe pertence. A mulher é tão ser humano quanto o homem e numa tentativa de a definir, faz-se necessário conhecer o mundo de valores que ela se encontra, sua estrutura econômica e social, sob uma perspectiva existencial.

Capítulo 2: O ponto de vista psicanalítico (Parte 1 de 2)

* Este resumo foi escrito de uma única vez, mas pelo tamanho, achei melhor dividí-lo em duas partes para não ficar cansativo. A edição utilizada para este resumo é a 7ª edição do livro, da editora Nova Fronteira, 1980. Ou seja, a paginação se refere a esta edição e a todo o capítulo.

Capítulo 2: O ponto de vista psicanalítico 
Páginas 59 - 72

Como foi pretendido mostrar no capítulo anterior, embora a Biologia forneça dados que não podem ser esquecidos ou desprezados, tais dados não possuem uma situação vivida. Um órgão importante como o ovário, não a define, enquanto o clitóris, um órgão sem grande importância, passa a ser considerado mais importante para a situação vivida, do que qualquer dado biológico poderia supor. 

Neste capítulo, Simone de Beauvoir vai criticar a interpretação psicanalítica da mulher.

A psicanálise tem algo a seu favor quando introduziu na psicofisiologia que o sentido humano reveste qualquer fato na vida psíquica do indivíduo. O ser humano é mais do que um simples corpo-objeto, ele é um corpo ativamente vivido pelo sujeito; o que dar-nos a abertura de falar que a mulher é mulher tanto quanto sente-se mulher. Da natureza sendo retomada pela atividade da mulher, que se define, foi edificado todo um sistema.

O que é preterido aqui não é critica a psicanálise, mas meramente examinar o que ela trouxe de novidade ao objeto de estudo do livro que é justamente a mulher.

Não é empresa fácil discutir a psicanálise. Como todas as religiões – cristianismo, marxismo – ela se revela, sobre um fundo de conceitos rígidos, de uma elasticidade embaraçante. BEAUVOIR, p. 59.

Por exemplo, o falo masculino, ora é considerado ao pé da letra, ora é considerado simbolicamente. A mesma elasticidade é aplicada na hora em que é realizada alguma crítica, pois quando a letra da doutrina é atacada, falam que não é compreendido o espírito da mesma; quando se aprova o espírito falam que é preciso levar em conta a letra. Onde estaria a verdadeira psicanálise? Mais de um psicanalista fala que o problema da psicanálise são os psicanalistas. Como Sartre e Merleau-Ponty afirmam “A sexualidade é coexistência à existência”. É possível uma conciliação entre sexualidade e existência, mas o que acontece é uma conversa mole da passagem da sexualidade para existência e nada mais. A noção de sexualidade fica vaga quando se limita a uma distinção do “sexual” e “genital”. Dalbiez diz “O sexual em Freud é a aptidão intrínseca para animar o genital.” Aptidão é possibilidade que por sua vez é fornecida pela realidade. Freud não justifica filosoficamente seu sistema, porem uma vez que nas afirmações de Freud há postulados metafísicos e utilizando dessa linguagem é da linguagem filosófica que ele utiliza-se. Confusões essas da psicanálise é que, ao mesmo tempo, complica uma crítica, a exige.

Freud não se preocupou com o destino da mulher, apenas procurou a estudar a partir do destino do homem. Antes de Freud, um sexologista de nome Marañon afirmava que a libido e o orgasmo seria uma força viril, o que em outras palavras significa que a mulher que alcança seu orgasmo seria “viriloide”. Pelo menos neste ponto, Freud é mais ameno, pois este admite que a sexualidade feminina seja tão desenvolvida quanto a masculina, contudo, a libido é de uma força de essência e constante masculina. A diferenciação da sexualidade só se daria na fase genital.

Freud pôs em foco um fato cuja importância, antes dele, não se havia ainda reconhecido totalmente: o erotismo masculino localiza-se definitivamente no pênis, ao passo que há, na mulher, dois sistemas eróticos distintos: um clitoridiano, que se desenvolve no estágio infantil e outro, vaginal, que surge após a puberdade. BEAUVOIR, p. 61.

O jovem tem o desenvolvimento de sua sexualidade na fase genital, ele então passará da fase auto-erótica para a fase que erotizará, geralmente, a mulher; seu pênis é seu órgão privilegiado. O parecido com a mulher, porém quando deixa a fase auto-erótica, será preciso que passe da fase clitoridiana para a vaginal, mas nem sempre isso ocorre, o que a deixará num estágio infantil e desenvolverá neuroses.

No estágio infantil, a criança fixa-se a um objeto. O menino na mãe, querendo uma identificação com o pai do mesmo modo que o teme, seja por medo de uma punição ou por medo de uma mutilação; então cria-se em relação a ele sentimentos agressivos do mesmo modo que aceita sua autoridade. Do “complexo de Édipo” ao “Complexo da castração”, com o superego censurando as tendências incestuosas e no momento em que o complexo desaparece, fica no indivíduo regras morais.

Do mesmo modo, Freud descreve a menina, que no estágio infantil sente-se atraída pelo pai (Complexo de Electra), mas quando a menina descobre a diferença anatômica dos gêneros (aproximadamente aos 5 anos) ela reage a falta do pênis com um, também, complexo de castração. Ela gostaria de assemelhar-se ao pai, cria um sentimento de hostilidade e rivalidade em relação a mãe. Entretanto, diferentemente do superego masculino, o feminino é frágil, o complexo de Electra é menos nítido e se a menina tiver irmãos, reagirá a falta do pênis recusando sua feminilidade e cobiçando um para ser semelhante ao pai, ficará no estágio clitoridiano, sendo frígida ou assumindo um comportamento lésbico.

Continua AQUI.

Resumo: O Segundo Sexo ( em andamento)

 Como este livro é extenso, a demora e a quantidade de posts com o resumo desta obra será bem superior em comparação com as duas obras que aqui foram postadas. Então para facilitar a procura e até mesmo para organizar melhor o resumo de O Segundo Sexo, aqui ficará os links dos resumos realizados da já citada obra.

O estudo da obra, como podem perceber ainda se encontra em andamento e uma previsão para término não temos, então se você está acompanhando os resumos, com este link você verá os links dos resumos de uma maneira mais organizada do que pelo aquivo do blogger.

Livro: O Segundo Sexo
Autora: Simone de Beauvoir


Introdução

Primeira Parte: Destino
Capítulo 1: Os dados da Biologia

Capítulo 2 : O ponto de Vista Psicanalítico
Parte 2

Capítulo 3 : O ponto de vista do materialismo histórico
Em breve...

terça-feira, 19 de abril de 2011

Fa7 realiza curso sobre Simone de Beauvoir

Faculdade 7 de Setembro (Fa7) que fica na rua Rua Almirante Maximiano da Fonseca, 1395,  Eng. Luciano Cavalcante, Fortaleza, Ceará, está oferecendo um curso ministrado pelo Carlo Tursi que é um é teólogo católico e membro da recém-eleita coordenação arquidiocesana de CEBs, em Fortaleza, Ceará, intitulado : Mulheres que pensam: Simone de Beauvoir.

A duração do curso vai de 19/04/2011 até 28/06/2011, com o horário das aulas de 19h30 às 21h30, sempre as terças.

No site da faculdade, o engajamento ao qual Carlo Tursi se propõe, nos parece um tanto obscuro, assim como a temática. Infelizmente, por motivos de tempo, transporte e dinheiro, nenhum dos membros do grupo de estudo vai poder estar presente para poder participar do curso, mas, maiores informações que obtivermos, estaremos postando aqui.

Maiores informações e inscrições pelo site:

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Segundo Sexo Vol. 1 - Cap. 1 (Parte 4)

O Segundo Sexo
Capítulo 1 - Os dados da Biologia ( Parte 4)
Páginas 53 - 57


Durante muito tempo a resposta para a pergunta sobre qual dos dois gêneros é o mais importante na espécie foi fundamentada na fisiologia, ao passo que por vezes recorreu-se à descrições estáticas, muito embora a humanidade possa ser tomada como um sinônimo para vir-a-ser. Outros tantos procuram promover comparações matemáticas entre homens e mulheres, definindo suas capacidades funcionais; chegou-se até a medir o peso do encéfalo de ambos, ondeo encefálo feminino saiu em vantagem por ser relativamente mais leve. Entretanto, relacionando-se o peso do encéfalo com o peso do corpo de cada indíviduo, chega-se a uma igualdade. Muito embora, muitos estudiosos as tenha utilizado essas discussões se tornam desisteressantes por não haver nenhuma relação do peso do encéfalo com a inteligência de uma pessoa.

Segundo Beauvoir, todas as tentativas de comparar machos e fêmeas enquanto espécie humana se tratam de puro devaneio, uma vez que é somente numa perspectiva humanista que essa comparação pode ocorrer. No entanto, o homem é , segundo a corrente existencialista, aquilo que ele se faz ser, ao passo que a mulher é um vir-a-ser, e é nesse vir-a-ser que suas possibilidades deveriam ser definidas.

Nos parágrafos que seguem, Beauvoir passará a questão biológica da mulher; ela inicia dizendo que a mulher é mais fraca que o homem fisicamente falando, assim como é mais instável e mais frágil. Mas é certo que, a perspectiva da inferioridade muscular só é conveniente aos homens, e quando a força não se torna necessária as diferenças caem por terra. Sua natureza só se torna real para ele a partir do momento que retorna a sua ação. Diferentemente dos animais, a mulher tem sua maternidade definida pela sociedade na qual está inserida, logo, as "possibilidades" individuais da mulher dependem da sua situação econômico-social. Entretanto, mesmo perdendo superioridade na espécie, a fêmea reconquista uma dada autonomia no momento de sua maternindade.

Podemos perceber que a seguinte pergunta norteia todos os argumentos da obra: No seio dessas sociedades que é mais necessário à espécie, o macho ou a fêmea? No âmbito do coito e da gestação, macho e fêmea se diferenciam porque um cria para manter, enquanto o outro mantém para criar. Ambos assim são necessários porque mesmo quando a mãe deixa de amamentar seus filhos, o pai surge como figura importante na sobrevivência destes. É, portanto, submetidos à leis e regra que o sujeito passa a ter consciência de si mesmo e se realiza; desse modo, não é a fisiologia ou a biologia que cria valores. Assim, a superioridade muscular do homem, na teoria, não é sinônimo de poder, posto que o respeito que inspira a mulher impede o emprego da violência.

É sob o foco de contextos ontológicos, econônicos, sociais e psicológicos que Beauvoir procura estabelecer a sujeição da mulher à espécie, bem como a sujeição de seu corpo como elemento responsável por estabelecer sua posição neste mundo. É preciso, portanto, analisar de que maneira a natureza da mulher foi revista no transcorrer da história.

terça-feira, 1 de março de 2011

O Segundo Sexo Vol I - Cap 1 ( Parte 3)

O Segundo Sexo
Capítulo 1 - Os dados da Biologia ( Parte 3)
Páginas 41 - 52


Beauvoir se dedica em explorar distintas espécies animais para mostrar que a divisão sexual existente em cada uma delas não pode ser compreendida de modo unívoco, isto é, macho e fêmea não necessariamente ocupam as mesmas funções sexuais e responsabilidade com a prole em todos os animais indistintamente. Para tanto, Beauvoir cita como exemplo os peixes, entre os quais há aqueles que não fecundam através do coito, mas expelem ambos o sêmen (macho) e os óvulos (fêmea), donde a fecundação ocorre fora de ambos, não tendo nenhum dos dois a “posse” dos fecundados. A fêmea, em algumas espécies, nem sempre desempenha a função de protetora do ninho, havendo casos em que o macho é o responsável por tal momento.

No entanto, segundo aponta Beauvoir, nos mamíferos “a vida assume as formas mais complexas e individualiza-se mais concretamente”. Os dois momentos vitais, o manter e o criar, que em outras espécies não possui uma cisão definitiva, assumem-na aqui na separação dos sexos, na qual a fêmea possui um laço mais estreito com os filhos do que o macho. “Todo o organismo da fêmea adapta-se à servidão da maternidade”, até mesmo o momento do coito não é por ela decidido: é refém de ciclos em que ela se torna fértil – o cio – e que emite sinais aos machos, contudo não cabe à fêmea impor o coito, mas ao macho. Isso também é exposto pelo modo como se dá a fecundação: o macho se põe sobre a fêmea, acima dela, ele que insere o seu órgão dentro do dela, é ela quem recebe passiva, ela sofre tal ação.

Para Beauvoir, a diferença fundamental nos mamíferos entre o macho e a fêmea está no fato de que, enquanto no macho o espermatozóide sai dele para ir a outro corpo, isto é, transcende-se em outro corpo se tornando estranho ao macho superando sua individualidade, na fêmea, por outro lado, o óvulo, fecundado pelo espermatozóide, instala-se no útero, ou seja, no interior na própria fêmea. Ela é fecundada por um ser que lhe é estranho e que se alimenta dela mesma em seu interior. Ela é si mesma e outrem, mesmo depois do parto, quando a prole se alimenta de seu leite. Daí se questiona: a partir de quando este ser se torna autônomo? Quando fecundado, quando nasce, ou na desmama? Todavia, é interessante notar em que sentido ela afirma sua individualidade, pois embora seja tão competente quanto o macho nas características de sua espécie, ela não se põe ao macho, não reivindica sua individualidade.

O macho assume aqui o papel positivo, que supera a si mesmo, ao passo que a fêmea parece se manter em si mesma: Beauvoir cita Hegel, o qual lê no macho o elemento subjetivo. Seu organismo não o consome, ao contrário do da fêmea, e o macho não se vê impelido a manifestar interesses pelos filhos.

No entanto, embora os dois sexos representem “dois aspectos diversas da vida da espécie”, “sua oposição não é (...) a de uma atividade e de uma passividade”. Ora, o espermatozóide só tem vitalidade quanto em união com o óvulo, donde este só pode também se manter ao se superar, do contrário degeneraria, de modo que vemos nele também uma vitalidade quando em conjunto com o espermatozóide. Manter e criar, os dois momentos vitais, caracterizam-se por, respectivamente, “negar a dispersão dos instantes”, isto é, “afirmar a continuidade durante o seu aparecimento” (o manter), e “fazer rebentar no seio da unidade temporal um presente irredutível” (o criar). A fêmea não é restringida a si mesma, ela participa da continuidade da vida, a superação depende tanto do macho quanto dela, “é-lhe permitido afirmar-se em sua autonomia”, mesmo sua individualidade sendo combatida pelo interesse da espécie, sendo possuída por força estranhas a ela, sentindo a servidão.

Beauvoir expõe dados biológicos relacionados aos hormônios na fêmea e no macho, donde percebe que, inicialmente, não há diferenças substanciais entre ambos, acontecendo até mesmo casos em que a fêmea demonstra certos caracteres masculinos, não significando, todavia, que isto represente uma vitória do indivíduo sobre a espécie. Há que se atentar para o fato de que os órgãos genitais têm muita influência na vitalidade do indivíduo, a ponto de que aquele que foi castrado ou que teve uma má formação, tende a ser não apenas estéril, mas, degenera mais facilmente. Contudo, “muitos fenômenos genitais não interessam a vida individual do sujeito e até chegam a pô-la em perigo. As glândulas mamárias que se desenvolvem no momento da puberdade nenhum papel desempenham na economia individual da mulher; pode-se proceder à sua ablação em qualquer momento de sua vida”.

Simone de Beauvoir empreende, então, a uma análise do modo como o aparelho reprodutor feminino opera mensalmente, tendo como intenção expor que tal o processo abala o organismo da mulher por inteiro, inclusive o sistema nervoso central, o vegetativo e todas as vísceras. Por conta disso, a maioria das mulheres apresenta perturbações nesse período: tensão arterial, aceleração do pulmão, aumento de temperatura, dores no abdome etc. Ao ter o sistema nervoso atingido, sofre por conseguinte uma grande instabilidade de humor. É aqui que ela sente seu corpo sob uma perspectiva penosa, alienada. “A mulher, como o homem, é seu corpo mas seu corpo não é ela, é outra coisa”.

Sob um ponto de vista fisiológico, a gravidez não traz à mulher nenhum benefício individual, ao passo que exige sacrifícios. Beauvoir mostra que, embora haja a visão psicológica da maternidade, a fêmea humana é, entre as demais fêmeas, aquela que tem a mais penosa das gestações, onde seu corpo literalmente sofre com a gravidez. Em certos casos, dependendo da saúde da gestante, sua própria vida e a da criança correm riscos; por vezes o corpo não suporta, a espécie mata o(s) indivíduo(s). A batalha entre espécie e indivíduo continua após o parto.

A mulher parece se coincidir mais consigo mesma ao se libertar do mênstruo, quando, na menopausa, sua atividade ovariana desaparece. É interessante perceber que, ainda aqui, ela passa a sofrer com as consequências dessa cessação. Não obstante, ao menos se liberta da servidão da fêmea.

Ao nos depararmos com tal imagem da fêmea humana, percebemo-la como desprivilegiada com relação às demais fêmeas e com a existência do macho. É, entre todos, a mais alienada, ela é quem mais sofre com seu próprio corpo. Tais descrições biológicas têm como base mostrar o modo como se constitui o corpo da mulher, visto ser ele o instrumento pelo qual é possível apreender o mundo. Todavia, embora seja de grande importância, ele não explica, segundo Beauvoir, o motivo pelo qual a mulher é considerada o Outro, não é capaz de traçar um destino imutável à mulher. Daí a necessidade de se avançar na pesquisa, em vez de buscar respostas somente nos aspectos fisiológicos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O Segundo Sexo Vol I - Cap 1 ( Parte 2)

O Segundo Sexo
Capítulo 1 - Os dados da Biologia ( Parte 2)
Páginas 31 - 41

Nesta parte ao qual este resumo se refere, Simone de Beauvoir toma como ponto inicial o processo de fecundação para chegar ao entendimento que tanto macho ou fêmeas terminam por serem escravos de sua espécie, embora cada um tenham suas similaridades, como por exemplo, a função de um zangão é diferente da abelha rainha, mas ambos, em suas particularidades, são condicionados por sua espécie. Podemos dizer o que uma abelha ou um zangão são, pelos dados que a Biologia nos fornece, mas no ser humano, isso torna-se problemático, pois a Biologia não fornece os dados que diga qual seria o verdadeiro lugar da mulher ou do homem na sociedade ou o que eles são.

Tanto o gameta masculino e feminino não possuem privilégios por serem o que são na hora que a fecundação ocorre, ou seja, não há papeis passivos e agressivos, ou um prêmio a mais por ser um ou outro, pois ambos deixam de lado suas respectivas individualidades para tornarem-se um novo ser, se perdendo e superando. Nesse movimento da vida que é perda e superação, um manter para superar e supera mantendo. Esse novo ser criado da fusão entre os gametas masculino e feminino, carrega consigo tanto as carasteristícas do espermatozoide como do óvulo, sendo ele homem ou mulher; levando isso em conta, é interessante observar que num primeiro momento esse novo ser é andrógino, pois não tem determinação de sexo.

Obviamente há deferenças entre o espermatozoide e o óvulo, mas estas são secundarias, como do fato da estrutura de ambos, o primeiro tem a mobilidade como uma de suas características mais marcantes, é o espermatozoide que procura; o óvulo tem já a sua, voltada para a nutrição e proteção do embrião.

Embora uma analogia comportamental entre homem e mulher utilizando as figuras do espermatozoide e do óvulo sejam, um tanto arriscadas, sempre há quem está disposto a correr esse risco. Alfred Fouillée em Le Tempérament et le Caractère, pretendia definir a mulher justamente por seu óvulo e o homem pelo seu espematozoide, o que é estranho se você considerar que tanto homens e mulheres vieram não só de um ou de outro, mas da fusão de ambos. Homem, mulher, macho e fêmea, são variações de uma base comum que se complementam.

Na vida animal, a fêmea e o macho são escravos de sua espécie, para manter a propagação. A rainha de um formigueiro que passa toda sua vida pondo um ovo por segundo até ficar estéril é tão prisioneira como as formigas que cuidam de sua rainha. A abelha rainha tem que desovar incessantemente, as outras trabalhar incessantemente e os zangões as fecundam e depois são assassinatos.

Nem entre as formigas, as abelhas e as térmitas, nem no caso da aranha ou do louva-a-deus, pode-se dizer que a fẽmea escraviza e devora o macho: é a espécie que, por vias diferentes, devora a ambos. (BEAUVOIR, 1989, pag39)
A espécie escraviza a fêmea para a manuntenção e propagação da mesma, mas da mesma forma pune o macho por tentar escapar a essa escravidão, com seu leve esboço de individualidade por meio de sua sexualidade.


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Vídeo francês sobre o centenário de Simone de Beauvoir

Não, nós não estamos loucos a ponto de não perceber que o centenário de nascimento de Simone de Beauvoir não é neste ano.

O centenário foi em 2008, obviamente. Mas como estamos com certos problemas de ordem técnica para a postagem do próximo resumo e como não queremos que o blog fique muito tempo sem alguma postagem, não há nada que nos impeça de postar outra coisa que não seja resumo.

Ao pesquisar pelo youtube, este vídeo francês acerca do centenário pareceu uma ótima opção para um post aqui, não apenas pelo motivo de ser sobre o centenário em si, mas é um vídeo curto sobre sua vida e obra, mas conta com um vídeo de arquivo da própria Beauvoir e de sua filha adotiva Sylvie Lebon de Beauvoir e de uma biógrafa da primeira.




FONTE: