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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Resumo: O Existencialismo e a Sabedoria das Nações - Parte IX

Artigo IV: Olho por Olho - Parte 1
Páginas: 97 até 108.

Aqui contém a primeira parte do resumo do último artigo do livro O Existencialismo e a Sabedoria das Nações, intitulado: Olho por Olho; que como o próprio nome nos remete, irá tratar sobre a vingança e castigo contra àqueles que nos fazem mal, e conseqüentemente as questões levandadas sobre tais ações. Vale ressaltar que devido ao momento histórico em que foi escrito, a autora usa como exemplos acontecimentos e criminosos da 2ª Guerra Mundial.


Simone de Beauvoir inicia-se com uma frase do Grachus Bubeuf " Os nossos carrascos criaram-nos maus costumes", para expor que o sentimento de vingança mais ardoroso e latente só foi experimentado diante da opressão nazista. Anteriormente, em face de um crime, o responsável por tal ato era dito como um reflexo de um regime social desigual, pois solidarizar-se com os tribunais seria defender tal regime desigual; um assassinato podia causar horror mas não ressentimento. Havia raiva e desprezo por àqueles culpados, contudo, não havia o verdadeiro sentimento de vingança.

A partir de 1940, esse estado de complacência muda, a humilhação e morte dos inimigos torna-se um desejo comum. Quando o tribunal condena um criminoso de guerra ( delator, colaboracionista), ao contrário do que antes acontecia, as pessoas clamam para si próprias o veredito, as sanções, uma vez que é em nome delas que as mesmas são proclamadas. O exemplo disso é que quando Mussolini, os carrascos de Khakov e Darnand foram condenados, as pessoas felicitavam umas as outras, pois os crimes destes as atingiram, e por meio da punição dos culpados os valores, as razões de viver são afirmadas. A atitude em relação aos criminosos comuns não mudou, como também não mudou o regime desigual e nem as velhas desculpas. Simone de Beauvoir diz:
"(...) Mas na medida em que é recusa das tiranias, em que se esforça por restabelecer a dignidade do homem, essa sociedade é nossa; experimentamos a nossa solidariedade com ela, somos cúmplices das suas decisões." ( BEAUVOIR, Simone. de. pág. 99)
Durante a ocupação nazista, o papel de ser juiz e carrasco - que é realizado ao mesmo tempo- era reivindicado com entusiasmo, assim como a facilidade em sentir o ódio ao saber dos crimes cometidos pelos nazistas e seus simpatizantes. Dizia-se " Hão de pagar!" e tal frase continha nela uma promessa de uma alegria em toda essa cólera. Subseqüentemente, não foi isso que ocorreu. A decepção da vingança contra os opressores da 2ª Guerra Mundial foi devido às circunstâncias em grande parte. Os grande criminosos afundaram tão brutalmente que o aspecto de expiação não foi tomado, o comportamento do povo alemão foi desconcertante. A tão desejada reciprocidade dos atos vis tornou-se insatisfatória; o que está em causa é a própria ideia do castigo. A sanção é dotada agora dos sentimentos experimentados concretamente ( vingança, justiça, perdão, caridade), revestidos de um novo sentido inquietante. Simone questiona acerca do homem com sua vingança, pois será o homem fundamentado? Será possível satisfazê-lo?

No momento da punição, os dois lados estão numa relação de luta e nela, o inimigo é visto como um objeto, uma coisa a ser superado, sendo sua exterminação " um meio necessário ao êxito final " ( BEAUVOIR, Simone. de. pág 101). Na Guerra, as mortes servem para intimidar o inimigo; nas execuções de caráter exemplar o castigo tem como objetivo a pessoa que o suporta, e não necessariamente a evitar que o mal realizado ( pela pessoa a quem o castigo visa) seja repetido. Por exemplo, seria absurdo acreditar que a execução de Mussolini vá evitar o surgimento de novos ditadores. A vingança corresponde a um sentimento transcendental, a uma das exigências metafísicas do homem, e essa significação tão profunda é descoberta ao examinar a sociedade nas formas em que ela está envolvida.

O dia seguinte a libertação da França dos nazistas, ocorreram vários casos de vinganças pessoais e coletivas, execuções de certos milicianos e massacre aos carcereiros da S.S. pelos libertos. Em todos esses casos o castigo visava à morte, o sofrimento daqueles opressores, que fez surgir o ódio por meio de seus atos nefandos. E isso parecia ser suficiente.

Aqui, o ódio não é uma mera paixão, denuncia, reclama que uma realidade seja banida do mundo; pois se odeia os homens como autores conscientes de um verdadeiro mal. Se um soldado em um combate mata o outro, este ato não é motivo para ódio, já que na batalha há uma relação de reciprocidade. O escândalo aparece quando o homem trata seu semelhante como objeto lhe negando a sua existência de homem. O ódio se limita a liberdade quando se empenha na degradação do homem em coisa, e a vingança é usada como um meio para destruir a liberdade do culpado.

"Hão de pagar!" é uma expressão apropriada, nela está contido um sentimento de reciprocidade, assim como na conhecida Lei de Talião " Olho por olho, dente por dente" que corresponde a uma profunda exigencia humana de reciprocidade e compreensão - este no sentido Heideggeriano, uma vez que o torturador deve sentir na pele o que antes fez o torturado sentir, experimentando a ambiguidade de sua condição de ser humano.  Todo homem é objeto para outrem, sujeito para si e reivindica ser reconhecido como tal. e essa "(...) afirmação de reciprocidade das relações inter-humanas é a base metafísica da ideia de justiça" ( BEAUVOIR, Simone. de. pág 105.). A vingança tenta restabelecer a liberdade que outrora fora soberana, embora pareça contraditória, uma vez que quer limitar uma liberdade, é com este preço que ela é autêntica. Mas a vingança não é plenamente realizada quando o carrasco compreende por si próprio ou por pressão exterior a ele, a gravidade de seus atos e resolve aplicar a si mesmo a lei de Talião, tal feito continuaria a injuriar da vítima. Beauvoir atenta que a violência por ela mesma não basta, pois esta é destinada a fazer com que o culpado reconheça sua condição e esse reconhecimento vem por meio de uma necessidade exterior, o castigo.

Caso o sofrimento imposto for exagerado, a mente criminosa ficará entorpecida pela dor; se for poupado, teria sua autonomia mental, sofrendo com revolta, ironia, poderia até mesmo encontrar uma espécie de felicidade no cativeiro; nesse caso o castigo perderia seu efeito. Por causa dessa contraditoriedade, ao longo da História, homens verdadeiramnete vingativos recorriam a criatividade para punir seus inimigos, exemplo disso é a técnica de tortura chamada de quaresma, que são 40 dias de lentos sofrimentos com alternância de castigos mais pesados para castigos mais leves, com a gradual suspensão da alimentação, até reduzir a consciência do culpado. Pode ocorrer da pessoa sofredora da tortura da quaresma morrer no final ou antes doa 40 dias. E quando isso acontece é desolador, pois é furtado o castigo do torturado para fora do mundo.

A morte de Hitler foi uma frustração, pois ele não contemplou sua própria ruína, não compreendeu. Em contrapartida, o momento em que Mussolini grita diante do pelotão de fuzilamento: "Não!", é mais gratificante em que o momento em que ele cai sem vida.  A vingança perfeita reside apenas nos folhetins, não há como perpetuar o momento de compreensão do inimigo e muito menos dispor dele para sempre, então é forçoso matá-lo, pois na vingança deve ter a dispersão temporal.